Posso
dizer que minha vida se divide agora em “antes”
e “depois” de usar aparelhos
auditivos. Durante mais ou menos quinze anos fui adiando minha decisão em
procurar os recursos disponíveis para corrigir minha perda auditiva, mas quando
eu percebi que minha principal e quase única forma de me comunicar e de ver e
sentir o mundo tinham se tornado apenas visuais me decidi e fui a luta. E hoje
eu posso dizer com toda segurança: quantos anos de qualidade de vida eu perdi
por ter adiado por tanto tempo essa decisão. Digo qualidade de vida com toda
ênfase, porque é verdade. Só quem vive uma situação assim sabe, existe um temor
constante na gente cada vez que precisamos ouvir alguém, aquele medo cruel, que
nos faz sentir incapacitados, de não entender. E não entender bem às vezes pode
ser cômico ou até trágico, podem-se fazer tarefas ou dar informações
absurdamente erradas pelo simples fato de você achar que ouviu algo e na
verdade, raios com a rima, mas era uma coisa bem diferente, e infelizmente só
ficamos sabendo depois do ocorrido.
Para quem ouve bem, talvez não se dê conta
do quanto é bom poder assistir seu programa favorito de TV, sem usar o Closed
Caption, ou nem imagina a gama enorme de sons das coisas simples que nos cercam
no dia a dia e que a pessoa com deficiência não ouve. Coisas que parecem
insignificantes quando se escuta, como o barulho da chuva, uma chaleira
chiando, o som da água escorrendo da torneira, o galo do vizinho cantando na alvorada,
sem esquecer-se do mais importante de tudo, a melhoria no relacionamento com as
pessoas, desde os familiares aos amigos e colegas de trabalho. E neste item
temos que ser, mesmo que nos doa, muito compreensivos com os outros, porque cá
entre nós, ficar repetindo tudo duas, três vezes é sem dúvida estressante.
Já
vi pessoas alegando medo de preconceito por usarem aparelho auditivo, inclusive
eu também tinha certo receio, mas após três meses de uso, tive a felicidade de
perceber que o preconceito estava em apenas um lugar: na minha cabeça. E
inclusive vou mais alem, pude perceber que certas pessoas dos meus contatos do
dia a dia, que apresentavam certa impaciência em ter que repetir seus diálogos,
tornaram-se mais compreensivas pelo simples fato de eu estar usando aparelho
auditivo.
A
adaptação é um pouco difícil, nosso cérebro precisa se habituar a nova maneira
de ouvir, para isso são necessários ajustes de volume, de sons graves ou
agudos, nos primeiros dias a gente se apavora um pouco, mas vai se habituando. Às
vezes acontece de aparecer certa angústia por ouvir e não conseguir entender
algum som ou conversa nas imediações, para isto descobri a solução: experimente
retirar seus aparelhos e se dará conta de que nem você, nem os outros
conseguirão ouvir e entender todos os sons, ninguém é super-herói. E não se
preocupe se determinada pessoa você continua não entendendo muito bem o que ela
fala, a culpa não é sua e sim dela, que por problemas de uma dicção ruim, os
outros que ouvem bem, também tem dificuldade em entendê-la.
E
para concluir, um fato interessante que eu descobri: há momentos ou situações
no nosso dia a dia em que é melhor a gente não ouvir bem, por exemplo, ruídos
do trânsito, de máquinas, gritarias entre outros, então basta você retirar seus
aparelhos e a intensidade do som que ouvirá será muito menor, opção que as
pessoas sem deficiência não tem.
Gildo Soares
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